
Neverland




Neverland
“Todas as crianças crescem, menos uma...” A frase inaugural da icônica obra infanto-juvenil de James Matthew Barrie, Peter Pan, é capaz de sintetizar não apenas o conteúdo da narrativa, mas o próprio arquétipo ali construído pelo autor: um menino que não deseja adentrar a maturidade, não deseja abandonar sua jurisdição de fantasias e aventuras, e consequentemente, deseja não desejar!
A perspicácia e magnetismo de tal personagem reside justamente aí: sua intrínseca capacidade de sedução por afrontar o percurso inevitável de perecimento da vida, e que lhe permite vivenciar em looping – supostamente sem resíduos traumáticos – as aventuras de infância, a excitabilidade das novidades, os impulsos de vida e morte.
E o território perfeito para o exercício desse eterno retorno à infância levou o título de Neverland em língua inglesa, Terra do Nunca, em português – uma ilha imaginária, mítica, cheia de personagens e lugares exóticos, e com altas variantes de acordo com seu ‘imaginador’. A alcunha para a ilhota não poderia ser mais apropriada, principalmente por sua conexão com o inconsciente e sua capacidade de seleção, potencialização e eliminação de memórias. Vivenciar uma Terra do Nunca é retornar a um espaço atemporal e subjetivo, onde apenas o prazer é lei, e todos são protagonistas de suas narrações.
Continua na próxima tela
Neverland
Assim, se o título da obra de Barrie convoca a esse percurso ao inconsciente e suas memórias de infância, o projeto de Marlene Stamm propõe um exercício similar, mas com um teor melancólico maior. A Neverland de Barrie é colorida, fantástica, com picos de ternura, suspense, e enaltecimento da meninice – nas obras de Stamm, o colorido é apagado, literalmente, para dar lugar a fantasmas, vestígios de memória, saudosismos e solidão.
A artista apropria-se de fragmentos de fotografias de infância, geralmente de amigas e amigos das mais diversas idades e classes, a fim de reproduzir em lápis de cor partículas afetivas dessa puerilidade. Sua prática de reapresentação desses vestígios de memória “feliz”, constitui-se como uma narrativa melancólica de constatação de tempos já passados, onde a infância e sua inocência moderna coexistem com certo vazio existencial e ameaça de perigo. Os rostos alegres e joviais, as figuras pequenas e doces, com seus parcos objetos de brincadeiras são apresentados em espaços brancos, neutros, vazios e imutáveis, como objetos flutuantes que gradativamente são absorvidos ou apagados em meio a alvura do papel.
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Neverland
Esse apagamento voluntário, ou mesmo sua incompletude de forma, salientam sua condição de lembrança, de vestígios subjetivos de vivências, onde o inconsciente brinca com os afetos, as narrativas e as certezas dos fatos – pois toda infância é idealização, assim como todo Peter Pan é medo disfarçado de audácia.
A alegre solidão dessas crianças surge aí como um desconforto, pois cria um ruído surdo, uma dissonância dentro das narrativas imagéticas da infância. Não há parques de diversão, carrosséis, playgrounds, camas quentes, jardins verdejantes, ou qualquer outro espaço culturalmente designado para a experiência infantil, mas sim um vácuo, branco, leitoso, absorvente de indícios.
Neverland é assim a junção de expectativas frustradas, de certezas apagadas e finitudes em curso, assim como a infância é a construção seletiva de memórias, um percurso inevitável para a subjetivação – e nas palavras de Barrie, um lugar em que “nós já estivemos..., mas nunca mais podemos desembarcar”.
Talita Trizoli
Neverland
“Todas as crianças crescem, menos uma...” A frase inaugural da icônica obra infanto-juvenil de James Matthew Barrie, Peter Pan, é capaz de sintetizar não apenas o conteúdo da narrativa, mas o próprio arquétipo ali construído pelo autor: um menino que não deseja adentrar a maturidade, não deseja abandonar sua jurisdição de fantasias e aventuras, e consequentemente, deseja não desejar!
A perspicácia e magnetismo de tal personagem reside justamente aí: sua intrínseca capacidade de sedução por afrontar o percurso inevitável de perecimento da vida, e que lhe permite vivenciar em looping – supostamente sem resíduos traumáticos – as aventuras de infância, a excitabilidade das novidades, os impulsos de vida e morte.
E o território perfeito para o exercício desse eterno retorno à infância levou o título de Neverland em língua inglesa, Terra do Nunca, em português – uma ilha imaginária, mítica, cheia de personagens e lugares exóticos, e com altas variantes de acordo com seu ‘imaginador’. A alcunha para a ilhota não poderia ser mais apropriada, principalmente por sua conexão com o inconsciente e sua capacidade de seleção, potencialização e eliminação de memórias. Vivenciar uma Terra do Nunca é retornar a um espaço atemporal e subjetivo, onde apenas o prazer é lei, e todos são protagonistas de suas narrações.
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Assim, se o título da obra de Barrie convoca a esse percurso ao inconsciente e suas memórias de infância, o projeto de Marlene Stamm propõe um exercício similar, mas com um teor melancólico maior. A Neverland de Barrie é colorida, fantástica, com picos de ternura, suspense, e enaltecimento da meninice – nas obras de Stamm, o colorido é apagado, literalmente, para dar lugar a fantasmas, vestígios de memória, saudosismos e solidão.
A artista apropria-se de fragmentos de fotografias de infância, geralmente de amigas e amigos das mais diversas idades e classes, a fim de reproduzir em lápis de cor partículas afetivas dessa puerilidade. Sua prática de reapresentação desses vestígios de memória “feliz”, constitui-se como uma narrativa melancólica de constatação de tempos já passados, onde a infância e sua inocência moderna coexistem com certo vazio existencial e ameaça de perigo. Os rostos alegres e joviais, as figuras pequenas e doces, com seus parcos objetos de brincadeiras são apresentados em espaços brancos, neutros, vazios e imutáveis, como objetos flutuantes que gradativamente são absorvidos ou apagados em meio a alvura do papel.
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Esse apagamento voluntário, ou mesmo sua incompletude de forma, salientam sua condição de lembrança, de vestígios subjetivos de vivências, onde o inconsciente brinca com os afetos, as narrativas e as certezas dos fatos – pois toda infância é idealização, assim como todo Peter Pan é medo disfarçado de audácia.
A alegre solidão dessas crianças surge aí como um desconforto, pois cria um ruído surdo, uma dissonância dentro das narrativas imagéticas da infância. Não há parques de diversão, carrosséis, playgrounds, camas quentes, jardins verdejantes, ou qualquer outro espaço culturalmente designado para a experiência infantil, mas sim um vácuo, branco, leitoso, absorvente de indícios.
Neverland é assim a junção de expectativas frustradas, de certezas apagadas e finitudes em curso, assim como a infância é a construção seletiva de memórias, um percurso inevitável para a subjetivação – e nas palavras de Barrie, um lugar em que “nós já estivemos..., mas nunca mais podemos desembarcar”.
Talita Trizoli