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SERÁ QUE ESTARÁ SEMPRE LÁ?

       

                                       Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.

                                                          Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

 

 Antonio Cícero

 

Mesas, bancos, caixas, globos terrestres. E papeis, livros, cartas e documentos. Objetos cobertos de poeira e mofo, guardados, esperando, aguardando. Até quando resistirão ao tempo? Será que estarão sempre lá? Mas eis que recai sobre eles o olhar amoroso da artista, iluminando e acendendo memórias. Marlene Stamm se interessa pelos resíduos, acolhe o descartado, resgata as histórias e os afetos impregnados em cada peça. Ao selecioná-las, em meio aos muitos guardados a artista lança importantes questões sobre escolhas e transformações. Em cada objeto recuperado está um pouco de si mesma. Todos os pequenos fragmentos, salvos do esquecimento, constituem a sua essência. O insignificante torna-se então o signo de uma sensibilidade profunda, estabelecendo uma comunhão entre a alma da artista e a do espectador.  Que mistérios povoam os achados, que lembranças habitam gavetas, envelopes, testamentos e dedicatórias em livros antigos? Imaginar será sempre maior do que viver. Criar uma nova história é procurar uma forma de equilíbrio, que cada um perceberá de acordo com seu acervo pessoal de memórias e vivencias.

A artista usa toda a sua intuição e delicadeza de traços ao lançar pequenas iscas para captar interesses, para despertar o desejo de preservar memórias e descobrir as origens. Mistura belíssimos desenhos de cartas, carimbos e documentos escolhidos, num formato bastante atraente para envolver e cativar o olhar. Em aquarelas e desenhos, por vezes sobrepostos ou incompletos, a artista propõe expor a alegria das lembranças, escolhendo afastar a melancolia, com cores quentes que usa em diversos momentos. Então os objetos assim acariciados nascem realmente da luz, chegam a um nível de realidade mais elevado, tecendo vínculos que unem um passado antigo com os novos tempos.

 “Encanta-me o esforço que as coisas fazem para perdurar. Por isso crio um registro que expõe essa materialidade, para que nada se perca, nem os traços e nem as circunstancias de sua existência”. Com essas palavras, Marlene, artista visual que tantas delicadezas já nos ofertou, fala do desejo de eternidade, de permanência que se opõem inexoravelmente à perda e à morte. Matéria, tempo, memória e afetividade, resistência são questões abordadas nos trabalhos apresentados, com imensa sensibilidade.

Será que, apesar de tudo, estará sempre lá?

 

                                                                                                ISABEL PORTELLA

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