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Vazio

 

As cartas foram por longo período um objeto de depósito afetivo e de memória, tanto por seu conteúdo pessoal, confessional, quanto por sua capacidade de transmissão de importante informação documental – penso aqui não apenas nas cartas do âmbito íntimo entre afetos, mas na circulação de documentos que, se num primeiro momento se enquadram no imperativo de formalidade moderna, da burocracia fetichista por papel, com o passar do tempo, esses documentos mudam sua condição rígida de normatização da vida para um estado de “maciez” simbólica, afetuosa, de lembranças de marcos importantes dos sujeitos.

Mas, e se ao longo das trajetórias de existência, não há cartas, não há documentos – há vida? Para nossa malha social burocrática, em que a existência de documentos possui mais força de veridicção do que a carnalidade dos sujeitos (e sejam esses documentos materializados em papel ou em algoritmos), a ausência de “papelada” é uma sentença de apagamento social, de morte declarada e autorizada.

Portanto, o que fazer se não há registro de nossa existência, se não há rastro de nossa passagem? Fabula-se, ficciona-se, constrói-se!

 

 

Talita Trizoli

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